Especialistas falam sobre o impacto da tecnologia na aprendizagem e leitura de jovens – Quatro cinco um

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Debora Vaz e Aline Frederico refletem sobre as consequências da hiperconectividade de crianças e adolescentes dentro das salas de aula

Os desafios que o uso excessivo de tecnologias pode impor à escrita e à leitura de qualidade entre crianças e adolescentes, seja nas escolas ou em casa, foram abordados por Debora Vaz, especialista em educação e diretora pedagógica do colégio Santa Cruz, em São Paulo, e Aline Frederico, pesquisadora em literatura infantojuvenil e professora de editoração na ECA-USP, n’A Feira do Livro
A mesa “A solidão do livro, a solidão da tela”, parte do Seminário Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas e mediada pela educadora Patricia Auerbach, foi pautada pelo livro A geração ansiosa: como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais, de Jonathan Haidt, lançamento da Companhia das Letras. 
No livro, o psicólogo e professor da Universidade de Nova York examina o colapso da saúde mental entre os mais jovens — e aponta a hiperconectividade como a principal causadora de transtornos mentais. O autor critica a substituição de brinquedos e brincadeiras por aparelhos eletrônicos e redes sociais desde cedo, muito antes do que deveriam. Além disso, declara que antes dos anos 2000 não havia uma “crise da leitura” entre os jovens. “Haidt diz que o aumento de episódios depressivos entre crianças e adolescentes começou a partir de 2012, e houve uma inclinação maior dessa curva com a pandemia de covid-19”, lembra Auerbach.
Salientando que o mundo está mais conectado do que nunca, as convidadas trouxeram a ideia que os jovens perderam o controle acerca das relações humanas, mas não só eles. “Não podemos esquecer que essas experiências também afetaram os adultos e as pessoas de idade um pouco mais avançada. Mães, pais e famílias hoje têm muito mais acesso a essa rede de informações do que as gerações anteriores  tiveram”, disse Vaz.
Segundo ela, o filósofo espanhol Fernando Savater especulava que a sociedade viveria um período de transformações das relações nas primeiras décadas do século 21, o que bate com as pesquisas levantadas por Haidt em A geração ansiosa, e que isso poderia colocar em xeque os papéis da família e da escola nas fronteiras entre quem deve ensinar o quê. 
“Na década de 80, discutíamos segurança nos espaços de infância e como eliminar riscos. Algumas escolas protegiam as colunas com espuma”, lembrou Vaz. “Hoje, somos convidados por educadores alemães a investir em espaços que permitam que as crianças caiam, porque elas não sabem mais como cair.”
Parte da geração millenial, a professora Aline Frederico diz ter tido uma infância cerceada, protegida e doméstica devido à insegurança de brincar na rua na periferia de São Paulo. No entanto, o que hoje observa como professora é ainda mais limitado: uma juventude que parece não querer romper as paredes seguras do próprio quarto por conta da internet. “Isso é muito discutido na universidade: os jovens têm muitas dificuldades em entender o lugar da tecnologia e como ela afeta a atenção deles durante as aulas. Não percebem que atenção e a instrução se tornam fragmentadas.”
O uso do celular em sala de aula também foi tema da conversa. Auerbach contou que o colégio Santa Cruz, do qual Vaz é diretora pedagógica, proibiu o uso de aparelhos em sala de aula, como um experimento. A decisão polêmica almeja separar a tecnologia da leitura, escrita e aprendizado aprofundado. 
“Embora existam muitas críticas de que começar proibindo é ruim, foi necessário interditar para entender o funcionamento. Sabemos que tanto as experiências do digital quanto as do impresso são válidas, mas a leitura aprofundada depende da mediação, e negar isso é abandonar as crianças a uma experiência muito solitária. É preciso apoio para formar um leitor digital hoje”, comenta Vaz.
A forma como os celulares têm interferido na leitura também foi lembrada por Frederico. “Podemos dizer que o ritmo de leitura diminuiu em todas as idades, não só entre os mais jovens”, disse. “Pesquiso leitura digital e sei que, em relação à leitura, o livro físico continua sendo o melhor formato. Mas o digital chega a lugares que o impresso ainda não chega. Ele é mais democrático.”
Segundo a pesquisadora, o problema é que a sociedade ainda não criou uma geração capaz de se autorregular, em que não será preciso interditar ferramentas tecnológicas e que terá consciência plena de quando deve recorrer ao livro ou a outros tipos de mídia. “Também se sabe que as empresas de tecnologia fazem vista grossa e que não há nenhuma regulação efetiva para o uso de internet entre as crianças”, disse Frederico. “Como sociedade, devemos questionar o poder público perante isso.”
A coordenadora pedagógica diz que há algo errado com a invasão da infância pelo mundo digital, pois é ilusório e perigoso acreditar que as crianças só usam a internet quando acompanhadas por adultos. “É preciso tomar cuidado com o discurso das grandes empresas de tecnologia de que ‘regular é censurar’. Entre os mais jovens, regular é proteger. Fronteiras precisam ser negociadas, porque ainda não há consenso. Cabe às escolas dizer às famílias que elas estão proibidas de comprar aparelhos? E cabe às famílias dizer às escolas que elas devem proibir o uso?”, questiona.
As especialistas defenderam que os dois universos, digital e impresso, podem existir juntos nas salas de aula e entre os mais jovens. E que isso deve ser fomentado e comemorado, principalmente nas escolas públicas, que ainda sofrem com defasagens no âmbito de aparelhos eletrônicos de suporte à aprendizagem; só que sem esquecer que o professor ainda é um ponto de importância para alcançar esse objetivo. 
“A tecnologia é muito importante e ainda há uma diferença muito grande em como ela chega nas escolas públicas e privadas. Mas vivemos um momento complexo em termos de política, porque há também a tentativa de usar a tecnologia para vigiar e tirar o controle dos professores. No estado de São Paulo, há uma aposta em utilizar slides em vez de livros didáticos. Se os professores não seguirem, podem ser prejudicados”, comenta Frederico.
De acordo com Vaz, a educação não deve resistir às tecnologias apenas por resistir. Ela relembrou o caso de educadores que eram contrários ao uso das canetas esferográficas nos anos 80 por acreditar que elas mudariam a caligrafia dos alunos de maneira prejudicial para o ensino — o que se mostrou um equívoco. Ela defende que resistir a mudanças é ruim, porque novas tecnologias podem facilitar o desenvolvimento de crianças e adolescentes. 
“Acredito que o próximo passo é negociar os campos de autoridade entre família e escola, para formar redes que foquem na questão do digital voltado para os melhores usos. Não podemos colocá-lo como o grande vilão da experiência contemporânea”, disse Vaz. “É preciso ser democrático, porque a tecnologia também pode democratizar.”
29 jun.—7 jul.
Praça Charles Miller, Pacaembu
A Feira do Livro é uma realização da Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos voltada para a difusão do livro no Brasil, e da Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais. O patrocínio é do Grupo CCR, do Itaú Unibanco e Rede, por meio da Lei de Incentivo à Cultura, da TV Brasil e da Rádio Nacional de São Paulo.

É estudante de Jornalismo na ECA-USP e estagiária editorial na Quatro Cinco Um.
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