Guerra às drogas e a derrota dos dados – Congresso em Foco – Congresso em Foco

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CNJ fará levantamento sobre quais processos criminais se transformam em administrativos após decisão pela descriminalização das drogas. Foto: EBC
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27.06.2024 10:16 0

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Gabriel Lepletier e Lucas Carezzato *
A “guerra às drogas” é um exemplo claro de uma política que, em vez de resolver problemas, os agravou. Desde seu início, a criminalização das drogas no Brasil tem sido marcada por altos índices de violência, encarceramento em massa e desperdício de recursos públicos, com emprego de esforços em abordagem punitiva que ignora as dimensões sociais e econômicas do problema.
Os dados são contundentes: entre 2006 e 2016, a população carcerária do Brasil aumentou em 85%, e grande parte desse aumento se deveu a prisões por crimes relacionados às drogas. Em 2020, o Brasil tinha a terceira maior população carcerária do mundo, com mais de 800 mil presos.
Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 25% desses presos estão encarcerados por crimes relacionados a drogas, com uma maioria significativa sendo de jovens negros e pobres. De acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), 67% dos presos por tráfico de drogas são negros.
Muitos desses encarceramentos são por posse de pequenas quantidades de drogas. Um estudo do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC) mostrou que, em 2017, 64% das mulheres presas por tráfico de drogas foram detidas com menos de 100 gramas de entorpecentes. Para os homens, essa proporção foi de 41%. Esses dados revelam que a política de criminalização atinge desproporcionalmente indivíduos que não fazem parte de grandes redes de tráfico, mas sim usuários e pequenos traficantes.

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A abordagem punitiva tem também contribuído para a escalada da violência. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que, em 2019, o Brasil registrou mais de 45 mil homicídios, muitos dos quais estão relacionados ao tráfico de drogas. A política de “guerra às drogas” não conseguiu reduzir a oferta ou a demanda por drogas, mas sim intensificou a violência associada ao tráfico.
Relevante parte do problema se dá em razão do tabu em torno do assunto, com primazia de visões relacionadas a costumes em detrimento de dados técnicos. O conservadorismo presente na sociedade brasileira contribui para a manutenção dessas visões moralistas. Pesquisas indicam que a opinião pública tende a apoiar políticas repressivas, muitas vezes influenciada por discursos midiáticos que reforçam esses valores. Um estudo de 2019 do Datafolha revelou que 64% dos brasileiros são contra a descriminalização das drogas, mesmo diante de evidências de que a descriminalização pode reduzir a violência e o encarceramento.
Essa resistência às mudanças baseadas em dados empíricos dificulta a implementação de políticas públicas mais eficazes. Em contrapartida, países que adotaram abordagens baseadas em evidências, como Portugal, têm mostrado resultados positivos, com redução nos índices de consumo problemático de drogas e nos custos com o sistema de justiça criminal.
Em novo contorno à problemática, o STF julgou nesta semana pela diferenciação objetiva de usuários e traficantes, quando porte de até 40g de maconhao. Embora não tenha tratado de outras drogas, esta distinção é crucial para evitar o encarceramento desnecessário de usuários e focar os esforços no combate ao tráfico organizado.
No entanto, a decisão ampliou o atrito entre Judiciário e Legislativo, com manifestação contundente do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e criação de Comissão pelo presidente da Câmara dos Deputados Artur Lira para analisar PEC que pretende criminalizar o porte de qualquer quantidade de drogas.
A recente decisão do STF de diferenciar usuários de traficantes é um passo crucial, mas a reação do Congresso, influenciada por componentes não científicos e pressões políticas, ameaça reverter esses avanços. Este embate entre o Judiciário e o Legislativo ressalta a necessidade urgente de reformar a política de drogas no Brasil com base em dados empíricos e experiências internacionais bem-sucedidas, como as de Portugal.
Para que o Brasil possa realmente avançar, é essencial superar os tabus e preconceitos que ainda permeiam o debate sobre drogas. Políticas públicas eficazes devem ser guiadas por evidências científicas e focar na redução de danos e na reabilitação, em vez de perpetuar abordagens punitivas que só aumentam a violência e o encarceramento.
Ao reconhecer a complexidade do problema e buscar soluções baseadas em evidências, o Brasil pode não apenas reduzir os danos causados pela atual política de drogas, mas também explorar novas oportunidades de desenvolvimento sustentável e justiça social. É hora de abandonar políticas ultrapassadas e adotar uma abordagem mais racional e humana para enfrentar o desafio das drogas no país.
* Gabriel Lepletier é cientista político e Lucas Carezzato, advogado.
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